quinta-feira, 7 de março de 2013

Conexão ou Casualidade?


Continuamos a produção do curta, enquanto os animadores vão preparando as cenas, os esboços, planejando a animação em seus mínimos detalhes, paralelamente vão surgindo novas idéias. Está é uma vantagem em se trabalhar em um filme independente, poder fazer escolhas e mudanças de rumo no meio da produção, sem precisar pedir licença para ninguém.
Percebemos ao assistir o animatic, que seria interessante modificar a narração do português para o russo, fazendo uma ligação direta com a obra original. Já que transportamos o cenário do conto para o Rio, a sonoridade da língua russa seria usada como uma recondução, uma volta, para as origens da obra.
Assim encontramos um novo parceiro nessa produção, o Escritor, Jornalista e Tradutor Alexey Lázarev. Lázarev nos revelou uma nova tradução do conto de Kharms, onde Sviaz  tem significado de casualidade e não conexão. Abraçamos esse novo significado, dado a nós por Lázarev e em breve gravaremos a narração do curta-metragem na língua russa.

Novo texto base:

Casualidade

Filósofo!

1. Escrevo-lhe em resposta a sua carta, que o senhor está planejando escrever em resposta à carta que eu lhe escrevi.
2. Um violinista comprou um ímã e o levou para casa. No caminho, arruaceiros atacaram o violinista e lhe derrubaram a boina. O vento arrastou a boina, levando-a pela rua.
3. O violinista colocou o ímã no chão e correu atrás da boina. A boina foi parar em uma poça de ácido nítrico e então se reduziu a pó.
4. Enquanto isso os arruaceiros pegaram o ímã e fugiram.
5. O violinista voltou para casa sem paletó e sem boina, porque a boina se reduziu a pó no ácido nítrico, e o violinista, desolado por ter perdido sua boina, esqueceu o paletó no bonde.
6. O cobrador desse bonde levou o paletó para a feira livre e o trocou por duas galinhas vivas.
7. O sogro do cobrador empanturrou-se de frango ao molho pardo e morreu. Levaram o cadáver do sogro do cobrador ao necrotério, mas depois o confundiram e no lugar do sogro do cobrador enterraram uma velhinha qualquer.
8. No túmulo da velhinha colocaram uma cruz branca com a inscrição: "Antônio José de Araújo Martins".
9. Durante onze anos vermes carcomeram a cruz e ela caiu. O sacristão partiu essa cruz em quatro pedaços e a queimou em seu fogão à lenha. A mulher do sacristão preparou uma sopa de couve-flor nesse fogo.
10. Mas quando a sopa já estava pronta, caiu uma mosca da parede, bem na caçarola em que estava a sopa. Deram a sopa para o pobre Timóteo.
11. O pobre Timóteo tomou a sopa e contou ao pobre Nicolau sobre a bondade do sacristão.
12. No dia seguinte, o pobre Nicolau foi à casa do sacristão e pôs-se a pedir esmola. Mas o sacristão não deu nada para Nicolau e o enxotou.
13. O pobre Nicolau ficou extremamente furioso e pôs fogo na casa do sacristão.
14. O fogo se alastrou da casa para a igreja, e a igreja se consumiu.
15. Conduziu-se uma longa investigação, mas não foi possível determinar a causa do fogo.
16. No local onde estava a igreja construíram um clube e no dia da inauguração do clube organizaram um concerto, no qual se apresentou o violinista, que catorze anos antes havia perdido seu paletó.
17. Entre os espectadores, estava o filho de um daqueles arruaceiros, que, catorze anos antes, derrubaram a boina do violinista.
18. Depois do concerto eles foram para casa no mesmo bonde. E, no bonde que vinha atrás deles, o motorneiro era aquele mesmo cobrador, que, um dia, vendera o paletó do violinista na feira livre.
19. E lá vão eles pela cidade afora, tarde da noite: na frente - o violinista e o filho do arruaceiro, e, atrás deles, o motorneiro - o antigo cobrador.
20. Vão sem saber da casualidade entre eles, e morrerão sem saber.