Apresentação


"Hoje vocês estão sentados com o mundo nas mãos. Estúdios estão em uma caixa! Produções Bakshi: Departamento de coloração, efeitos especiais, xerox, coloração.  Tudo é feito em uma caixa! Todo mundo aqui pode. Quatro caras podem fazer seu próprio filme em um ano, mas ninguém faz a não ser o Bill Plympton. "

Ralph Bakshi


O Brasil vive um momento de transformação no campo da animação, se avaliarmos a produção nacional até meados da primeira década do Século XXI, verificaremos que fora da área publicitária, a produção nacional se concentrava na realização de curtas metragens autorais. Estamos em um momento de mudanças de paradigmas na produção nacional, que se volta para o cinema de mercado, dando prioridade à produção de séries para a televisão e o longa metragem cinematográfico, o que chamo de ponto de viragem da animação brasileira (Viragem é adotada aqui no sentido de alteração brusca de um estado ou condição para outro. Guinada, reviravolta, mudança, mutação).

É claro que o investimento na indústria de animação nacional é positivo para o Brasil, pois trás divisas econômicas e cria emprego, mas por outro lado, a sistematização industrial também trás consigo a standartização dos modelos estéticos e modos de trabalho, além de drenar recursos humanos e financeiros que poderiam ser usados de maneira mais universal, contemplando também a formação de novos animadores, a produção experimental de animação, a exibição de curtas e a produção acadêmica sobre animação, dentre outras demandas.

Também se vê no Brasil um certo cansaço do modelo de editais públicos para o financiamento de produção de novos curta metragens. Sem querer generalizar, pois é claro que existe muita coisa boa produzida com incentivo estatal, e muito de nós envolvidos neste projeto também já tivemos projetos aprovados em editais, mas vemos que certas demandas da produção autoral, não se encaixam no modelo de editais, onde é exigido do proponente a apresentação de um pré projeto muito amarrado (orçamento, cronograma, storyboard, direção de arte), o que limita as possibilidades de amadurecimento e evolução do trabalho durante a produção. Também se vê uma repetição de temas, estéticas e produtores, assim os editais acabam deixando de fora das listas de contemplados muita coisa boa.

Não estamos aqui para chorar e nem para reclamar, mas sim para propor e produzir um curta de animação em moldes mais experimentais e independente. O projeto Sviaz é um filme coletivo, mas dizem que toda produção cinematográfica o é, afinal uma produção envolve a participação de um conjunto de pessoas e técnicos para a sua realização, embora muitas vezes só nos lembramos do nome do diretor dos filmes. O que defino como filme coletivo ou cooperativo é uma prática muito comum no mundo da animação, onde cada animador, na maioria das vezes possui seu próprio equipamento de trabalho e seu modo de trabalhar. A idéia é juntar vários animadores e que cada um produza um trecho da animação com liberdade de criação artística e técnica, sem as amarrar de um projeto estético pré definido e sem a exigência de se imitar o traço do diretor ou de se trabalhar dentro de um mesmo estúdio ou estrutura. Em Sviaz juntamos animadores de diferentes cidades, gerações, escolhas técnicas, formação e experiências profissionais. No Brasil temos exemplos de filmes coletivos como: Planeta Terra, Animato, Engole Ervilha, 7Kapitais. O projeto Sviaz pretende seguir essa tradição de produção, mas ao contrário dos filmes citados, onde a participação de cada animador se dá de maneira episódica, no caso de 7Kapitais, ou num fluxo contínuo de animação como no Planeta Terra, pretendemos que no nosso curta, apesar da liberdade de cada animador, que exista uma unidade narrativa percorrendo todo o filme.

O curta é baseado em um conto escrito em 1937 por Danill Kharms, escritor russo que morreu de fome nas prisões de Stalin e que em seus trabalhos desenvolveu enredos onde o absurdo e trechos desconexos se sucedem, num clima de mistério e vertigem, levando o leitor ao final da trama já sem esperanças de se compreender um sentido, mas que no entanto estará lá. O conto de nome Sviaz (conexão em português) foi originalmente escrito em 20 partes e como cada parte é independente da outra, vislumbramos uma correlação imediata da forma do conto com os filmes de animação coletiva, no projeto Sviaz, os diferentes estilos dos animadores terão uma função narrativa, pois complementam a idéia original de narrações desconexas dentro do trabalho de Kharms. Pretendemos realizar uma livre adaptação, transformando as paisagens russas do conto original, nas ruas e bairros do Rio antigo, com seus malandros, musicalidade, sobrados ecléticos e coloniais, riscadas continuamente pelas linhas de bonde.Também se pretende com o curta fazer uma homenagem ao centenário bondinho de Santa Teresa, que no momento, devido a incompetência e má gestão governamental, se encontra desativado e com seu projeto original, tombado pelo patrimônio histórico, ameaçado de deturpação. O blog que criamos também é parte importante da produção, pois pretendemos que ele seja um canal aberto de comunicação entre nós realizadores e os interessados em animação, uma produção que consiga criar "conexões" com o público bem antes das exibições nas salas de cinema. Espero que possam aproveitar e apoiar nossa iniciativa. Abraços a todos.

Leo Ribeiro.
cineasta de animação

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